26/09/2011

Violência Gratuita



Responde. Por qual razão eu deveria assistir a uma cena de agressão?

Acabo me perguntando se a escalada da violência urbana não está ligada a esta permissividade da sociedade em tolerar e divulgar a violência de forma gratuita e irrestrita. Cada dia me surpreende mais.

Lembro de uma notícia num jornal da tarde há muitos anos. Era de um motorista no México que havia acelerado para cima de uma passeata de crianças (!!!) e professores porque eles estavam no caminho sei lá por qual razão (ah, ele buzinou antes). Lembro a cena congelando antes do atropelamento. Em seguida, a apresentadora entra na tela novamente justificando: “em respeito a vocês não exibiremos as imagens desta cena ...” (parafraseando devido a memória curta, mas o sentido era esse daí).

Então passemos para o caso mais recente do motorista gaúcho que atropelou ciclistas em uma passeata. (Não vou julgar o mérito ou culpa do caso).

Jornal da noite. Mesma emissora de outrora. Passava pela sala, e a televisão lá, com sua presença imponente. Começa o assunto do atropelamento. Vai para as imagens de cinegrafistas amadores (a praga do século XXI). E segue. Os ciclistas, o carro, a aceleração, o atropelamento, os gritos. Segundos apenas. Corta. Aparecem os apresentares com cara de indignados, condenando e julgando, com a “imparcialidade” requerida pela profissão.

E eu sobrei lá. Invadida, desrespeitada. Afinal, quem disse que queria ver essas imagens? Por que não me deram a opção de não vê-las?

Sem aviso, sem responsabilidade, foram divulgando cenas “comuns”, furos de reportagem. O prazo de validade do caso já estava se esgotando. Então é preciso ser rápido, eficiente, direto. Respeito, quem?
 O caso já estava na internet há muitas horas. Havia vídeos para todo lado. Devia haver muito mais ainda em outras fontes que não de notícias.

Neste caso, eu escolhi não abrir nenhum, não clicar. Eu ainda tinha a opção. E fiz a minha escolha de não querer assistir nem gravar (afinal minha memória é fotográfica) aquilo em mim. Até aquele ponto. Quando não me deram o poder da escolha. Fechar os olhos impede os sons? Movimentos da reação duram segundos mais longos que a duração das próprias imagens.

E não foi o único caso. Sempre há uma foto em uma página de notícias: gente sangrando, raio x de facas em cabeças, cenas de agressão, fatos e fotos. De novo, quem disse que quero ver? Deveria ter o direito de dizer não. De selecionar o que quero de memória. Escolha não ler, não clicar, não me aprofundar. Mas o quadrinho com a imagem está lá. E eu já vi, já gravei, mesmo não querendo.

Informação virou commoditie. E os esforços ficam concentrados em vender volume, quantidade. E o preço é jogado lá embaixo para ter mais consumidores. A violência se torna gratuita para atrair mais. Informa pouco e agrega praticamente nada. Mas faz o seu papel de atração de massas de pessoas. É bem rentável. O produto ideal dos “players” de notícias.

Eu escolho. Eu coloco o limite da quantidade de violência (disfarçada em notícia) irei suportar, irei consumir por dia. E, mais intensamente ainda, escolho o nível de violência que irei transmitir para outros.
Se não me dão o direito de escolher o que receber, exerço meu direito de transmitir o que quero e devo. Para informar e precaver pessoas queridas, mas não assustá-las ou aumentar de forma irresponsável o medo (e por que não a esperança) pela vida.

Será que ainda vão inventar sites e vídeos com cheiro e gosto? Violência terá gosto? Será que há gente disposta a pagar para sentir o gosto da violência?

O mundo só será melhor quando a melhor parte de cada pessoa estiver disponível ao mundo. É difícil, mas a alternativa é bem pior...

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