20/04/2012

Sim, a Roda é Viva


Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu...

Um dia parei. Tudo.

Não sobrou emprego, não sobrou endereço, não sobrou quase nada.  Me despi de medos, de rotinas, de vícios. No processo também perdi sonhos, perdi metas, perdi tempo.

Estanquei num espaço-tempo próprio onde cada movimento custa uma energia tamanha, que às vezes não dou conta. Tem dias que não sobra força para levantar da cama.

Mas também tem os dias que não sobra atividade sem ser terminada; sem a lista de “to do” ter mais e mais itens riscados.

Apenas dias.

A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá ...

Sempre acreditei que dava para controlar quase tudo. De sentimentos a horários, de vontades próprias à impressão alheia. Então veio a dor, a solidão, a depressão. E veio a recuperação, o horizonte colorindo o olhar cinzento. E tudo mudou.

Não dá para abrir a porta para o novo e impedir que a mudança invada o espaço, preenchendo cada canto; mesmo aqueles mais escondidos e secretos. Ela se une às entranhas e dá a esta força e presença. Ela convence a sua força de vontade que é mais poderosa que os obstáculos, ela encanta seus sonhos com o poder da realização.

E aquela que queria controlar o mundo, acaba perplexa pela sua capacidade de se deixar fluir pela via.

A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir

Já travei esta batalha tantas vezes. Sempre oscilei entre períodos de seguir os outros e seguir a mim mesma. Entre ir contra corrente, ou se deixar levar por ela. As marcas e nós no corpo e na alma são claros.

Até finalmente entender, que tal batalha é inútil. Que a busca final é um caminho do meio, no qual se possa harmonizar as demandas do ego e das pressões externas. Entre aproveitar a vida sem arrependimentos e sem acumular dívidas e faltas.

Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a roseira prá lá...

É também aprender a construir sem apego.

É cultivar o que há de mais belo dentro de você. É criar o que de melhor sua capacidade pode produzir. E é aprender a doar ao mundo, a deixar o seu melhor partir para braços e caminhos desconhecidos.

Ou tê-lo arrancado de você.

No final, o processo de perder é natural e certo. A sua última escolha reside apenas em querer contar a história de lembranças sobre aquilo que construiu e viu crescer, ou chorar pelas cicatrizes do seu pedaço de existência perdido no processo.

A roda da saia mulata
Não quer mais rodar não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou...

Há dias que, então, tudo estanca.  O sentimento de vazio invade.

A língua, antes do pensamento, já sai falando a tal condicionada frase: “não posso”. Nada pode, nada funciona, nada existe, ninguém ajuda, quero apenas dormir.

Mas nada é para sempre.

A gente toma a iniciativa
Viola na rua a cantar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a viola prá lá...

Há dias que, então, tudo volta a girar. O sentimento de conquista invade.

O quadril, antes do pensamento, sai interpretando os sons em movimento. Tudo vira motivo de dança, tudo vira motivo de festa, quero apenas sorrir.

Mas nada é para sempre.

O samba, a viola, a roseira
Que um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou...

Aquilo que um dia foi fundamental vira pó. Vira lembrança, ilusão, compreensão.

Um dia, se entende que teve dias que andar requereu apoio, muleta, ajuda. Um dia, suas pernas ganharam força, seu equilíbrio foi estabelecido.

No peito a saudade cativa
Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a saudade prá lá ...

Um dia, com um sorriso discreto, você sente a brisa e a deixa levar aquilo que não tem mais uso, que não é mais seu, que não é mais sua essência.

E sorrindo você acena para saudade. Ela também não mais assusta.

Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...

Sim, a roda é viva! E ela carrega meu coração por esta estrada chamada vida.
Ela passa, ela volta, ela cresce. Como uma espiral, sempre passando pelo mesmo ponto, mas nunca da mesma forma. Como uma mandala, contrastando entre centro e periferia, entre ir e voltar, entre sair e voltar ao seu ponto de origem.

Sim, roda, me faça viva!

Banda Seu Chico, Roda Viva

Nenhum comentário:

Postar um comentário